Neil Peart, que parou o Rush em prol da vida, faz o mundo parar com sua morte

Em 1997, o Rush estava voltando a se encontrar musicalmente após uma década de 1980 com muitos experimentos – e bastante trabalho, já que vários álbuns e turnês rolaram naquele período. Neil Peart, baterista e letrista da banda, vivia bom momento profissional: reinventou seu estilo de tocar após envolver-se com a Buddy Rich Big Band, buscando aprimorar sua pegada com estudos mais orientados ao jazz.

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De repente, tragédias acometeram a vida de Neil Peart. Logo após a conclusão da turnê de “Test for Echo”, em agosto de 1997, a então única filha do baterista, Selena Taylor, morreu em um acidente de carro. Dez meses depois, em junho de 1998, a esposa dele, Jacqueline Taylor, faleceu em decorrência de um câncer. Segundo Neil, Jacqueline simplesmente desistiu de viver. Aceitou a situação e se foi.

Com duas perdas muito fortes em menos de um ano, Neil Peart sabia que não poderia seguir com o Rush. Pelo menos não naquele momento. Ainda em 1997, no funeral de Selena, ele disse ao vocalista e baixista Geddy Lee e ao guitarrista Alex Lifeson que estava se aposentando a partir dali.

Os dois colegas, que conheciam Neil como a palma da mão, deram o tempo necessário para que ele se recuperasse. O baterista se ausentou por alguns anos para viajar por toda a América do Norte e até a América Central de motocicleta. Ele percorreu 88 mil quilômetros, conforme relatado em seu livro, “Ghost Rider: Travels on the Healing Road”.

A situação pessoal de Neil Peart começou a melhorar após conhecer a fotógrafa Carriee Nuttall, com quem se casou em 2000. Um ano depois, o baterista disse aos colegas que estaria pronto para voltar. Eles retomaram os trabalhos no álbum “Vapor Trails” (2002) e seguiram em uma turnê gigantesca, com direito a shows em estádios no Brasil.

Neil Peart parou o Rush para que pudesse se recuperar de eventos traumáticos. Era aquilo ou sua vida estaria em risco, de uma forma ou de outra. Geddy Lee e Alex Lifeson aceitaram, respeitando a dor do colega e sequer cogitando encontrar um substituto – algo que tantas bandas, de Bon Jovi seguindo sem Richie Sambora até Dream Theater não aceitando a pausa pedida por Mike Portnoy, não foram capazes de fazer.

Uma decisão que mostra a nobreza de todos os envolvidos. Neil, que freou o Rush em um momento profissional tão bom, conseguiu parar o mundo nesta sexta-feira (10), com o anúncio de sua morte. Ele faleceu, aos 67 anos, em decorrência de um câncer no cérebro contra o qual lutou por mais de 3 anos, em segredo. Toda a situação foi mantida com discrição por família, amigos e colegas de banda – diferente de muitos outros músicos que sentem a necessidade de expor tudo nas redes sociais, incluindo tretas com seus parceiros de trabalho.

A comoção gerada em torno da morte de Neil Peart é justificada para além de seu talento. Sim, ele foi um grandes bateristas da história do rock e também era cirúrgico em suas letras. Todos sabemos disso e sempre busco não escrever sobre o óbvio. Esse texto tem a intenção de destacar que um ídolo se constrói, também, por suas atitudes. Não é por acaso que Peart e Rush são exaltados. Não é só pela música. Nunca foi.

Saber que o falecimento de Peart também foi marcado por eventos traumáticos, já que a luta contra um câncer por mais de 3 anos é muito desgastante, é de partir o coração. Ele, que já sofria de problemas na coluna – e se aposentou em definitivo do Rush por isso – e passou por tantas situações complicadas, precisou lutar mesmo. E assim o fez, imagino.

Como sei disso? A discrição é regra no Rush, portanto, não há informações de como Neil Peart batalhou contra esse câncer. Deduzo porque são muitos os relatos de que o baterista era um homem incrivelmente obstinado. Dá para sentir isso apenas o vendo tocar, mas outros fatos corroboram.

Estamos falando de um cara que, com quase 20 anos de Rush, topou se reinventar e estudar o jazz após sentir que passou vergonha durante um show em tributo a Buddy Rich. É o músico que, em um cenário repleto de reuniões marqueteiras e artistas que recusam a aposentadoria, soube a hora de parar por duas vezes – de forma provisória, em 1997, e definitiva, em 2015.

Sim, é o homem que, em 2012, chegando a quatro décadas de estrada, admitiu em entrevista à Rolling Stone que ainda fazia aulas de bateria. “O que é um mestre senão um estudante?”, disse ele.

Vá em paz, mestre. O homem se vai, mas a obra e a história em torno dela ficam. Temos muito a aprender com Neil Peart e com o Rush.

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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